Òrìsà Ògún 


Tendo um perfil psicológico e um conjunto de lendas ricas, não é difícil reconhecer um filho de Ògún. Tem um comportamento extremamente coerente, arrebatado e passional, onde as explosões, a obstinação e a teimosia logo avultam assim como o prazer com os amigos e com o sexo o posto.
O arquétipo de comportamento associado ao Òrìsàs corresponde à figura do ser violento, impulsivo dado a brigas, que tem um grave conceito de honra, sendo incapaz de perdoar as ofensas sérias de que é vitima.
Mas sempre termina tudo com uma boa gargalhada por ter reconhecido no adversário uma espécie de cúmplice de jogo. Gosta, assim, tanto de guerrear a sério como por brincadeira apenas para medir forças.
Pode ser reconhecido naqueles amigos que, para demonstrar a afeição que têm um pelo outro, lutam boxe ou se desafiam através das artes marciais orientais, só de brincadeira, mas levando essas práticas tão a seio que às vezes chegam a machucar-se.
Os homens e mulheres que têm Ògún como seu Òrìsàs de cabeça vai ter comportamentos diferentes de acordo com o segundo Òrìsà que os influencia (o ajunto), podendo atenuar sua tonalidade sangüíneo passional, se o ajunto for, exemplo, Òsún ou aumenta-la ao extremo, se o ajunto for Èsù ou a guerreira Iansã (Oyà). De qualquer forma, terão em comum alguns traços: são conquistadores, incapazes de fixarem-se num mesmo lugar (ou pessoa), gostando de temas, assuntos e pessoas novas e sendo, conseqüentemente, apaixonados pelas viagens, mudanças de endereço e de cidade, alterações que introduzam dados novos ao seu cotidiano. Um trabalho que exija a rotina, que o afaste das pessoas, da troca descompromissada de idéias ou das conquistas difíceis e heróicas tornará um filho de Ògún desajustado e amargo, propenso a voltar-se compulsivamente para a bebida ou para as drogas em busca de um colorido maior em sua vida.
São apreciadores das novidades tecnológicas, dos novos caminhos da ciência e de formas de desempenho profissional. Atualmente devem-se encontrar muitos filhos de Ògún no desenvolvimento da computação, que abriu caminhos novos para todas as atividades humanas e estão revolucionando cada vez mais o dia a dia das pessoas, seja qual for seu ramo de atuação.
Os filhos de Ògún são pessoas curiosas e resistentes, com grande capacidade de concentração no objetivo a ser conquistado: a coragem é muito grande a franqueza absoluta, chegando mesmo à falta de tato, que, acrescida à rudeza habitual, pode conquistar-lhes a fama de mal-educados ou pouco preocupados com os outros.
Como o arquétipo é um tipo simplificado, mas não desprovido de contradições os filhos de Ògún estão associados também à camaradagem e à amizade tipicamente masculina, relaxada e sincera, de amigos inseparáveis, cuja relação emocional é sincera e a lealdade um conceito inquestionável.
Essa imagem é muito freqüente na cultura americana, típica de um país expansionista e imperialista, cujos abetos ideológicos se aproximam da tradição belicista despojada desse Òrìsà, opondo-se à cultura mais elegante e aristocrática da Europa, mais facilmente identificável com Òrìsà mais vaidosos e formais, como Òsún e Sòngó.
A competividade de Ògún também se aproxima de certos estereótipos ligados à sociedade capitalista de consumo. É, conseqüentemente, um líder nato, que costuma assumir facilmente o controle das equipes com as quais está envolvido.
Gosta das chefias, dos departamentos novos, de qualquer área da produção onde esteja envolvido o conceito de novo, de inexplorado. Isso vale tanto para o pesquisador acadêmico com relação às descobertas cientificas como para o vendedor ou homem de marketing com relação à conquista de novos mercados, embora neste último caso o filho de Ògún encontre dificuldades para cortejar as pessoas e trata-las como superiores. A arrogância e a falta de paciência de Ògún não indicam ser seus filhos os mais adequados para esse desempenho profissional.
Ao contrário de outros arquétipos de Òrìsàs, o tipo Ògún não especifica uma tendência mais forte a uma profissão ou ramo específico do conhecimento humano, já que a identificação histórica com a metalurgia é restrita a uma sociedade (a africana) onde ela era sinônima de toda e qualquer tecnologia. Um filho de Ògún pode ser encontrado tanto na policia como na política, dando aulas de educação cívica ou escrevendo num jornal, na engenharia aeroespacial, nos time de futebol ou nas artes plásticas. O que existe de comum entre essas pessoas é a busca incansável do aprimora-mento das técnicas mais modernas em sua área, das tendências mais revolucionárias e certo fascínio pelas máquinas em geral o que no nosso mundo ocidental pode manifestar-se como um amor por automóveis ou vídeos.
Não se espere do filho de Ògún, porém, um experimentalismo que se basta nele mesmo, uma busca da vanguarda pura e simples; pelo contrário, o filho de Ògún só admite a experimentação para o alcance de algum resultado. Não gostaria como músico, de criar algo incompreensível: prefere agregar o som tradicional a uma descoberta, para que sua música não seja apenas consumida por diletantes ou eruditos, mas por toda a massa. Não gosta muito das elites culturais nem do saber institucionalizado, dando preferência ao que caia no gosto do público, que mobilize grandes multidões.
Em termos físicos, o filho de Ògún tende a ser esguio, musculoso e atlético, mas não necessariamente volumoso. Tem grande energia nervosa, que precisa ser descarregada em esportes ou qualquer outro tipo de atividade que implique desgaste físico. Conseqüentemente, além dessa prática, costuma também ser um fã dos esportes em geral, apreciando tanto o individualismo de um combate numa quadra de tênis como os jogos coletivos, a versão socialmente aceita da simulação de uma batalha. A competição lhe faz bem, seja como atleta, seja como torcedor, mas deve-se tomar cuidado ao escolhê-lo como companheiro de contenda: o filho de Ògún não admite perder, se empolga às vezes mais do que o necessário e é capaz de brigar por causa de uma falta apitada num jogo de futebol amistoso, praticar faltas violentas raramente desleais e fazer de tudo pela vitória perdendo a consciência de que não está num sério combate, mas apenas num divertimento lúdico.
A derrota o deixaria mal-humorado e revoltado, podendo fazer com que brigasse com antigos companheiros por um motivo que os outros julgam fútil ou no mínimo sem importância. Se isso acontecer, porém, dificilmente esse mal-estar passageiro durará muito; em pouco tempo, o filho de Ògún percebe o excesso com que lidou situação e pedirá desculpas a todos os envolvidos, recuperando o humor e propondo saírem todos juntos para se divertir e esquecer o incidente. Tudo em Ògún se aproxima do conceito de despojamento, do ser que não tem tempo para ser vaidoso, pois está sempre de passagem pelos lugares, numa parecer ter raízes. A vida de um filho desse Òrìsà é movimentada, sua casa a não ser que tenha uma família grande tem poucos móveis, quase nunca de estilo antigo e de características barrocas, com cantinhos difíceis de limpar. Será um lar austero, com poucas
peças, sempre muito práticas deixando grandes espaços vazios: o importante para ele não é criar um ambiente harmonioso, mas ter cadeiras para sentar, mesa para servir as refeições ou trabalhar e pronto. Quase tudo seria supérfluo para ele. São comuns nas casas dessas pessoas as almofadas espalhadas pelo chão, que podem ser mudadas de lugar a qualquer momento, além de serem baratas, pois Ògún pode vir até a ganhar muito dinheiro, mas isso não é uma constante, dada sua irritabilidade e desejo de independência.
As roupas favoritas dos filhos de Ògún são simples, confortáveis, absolutamente práticas e duráveis. Costuma repetir as roupas, pois, quando gosta de um sapato ou de uma calça, passa a confiar nela como se fosse um companheiro de batalha. Alías não deixa de ser uma curiosa coincidência o fato de o jeans ser comercializado muito na cor azul-indico, a cor de Ògún.
Os cabelos nas mulheres filhas de Ògún costumam ser cortados curtos; quando longos, são mantidos soltos lisos ou enrolados por uma permanente, ou seja, formas simples que não exijam perda de tempo para elas em repetidas idas ao cabeleireiro. Nos homens é relativamente comum que os cabelos estejam mais compridos, pois eles se esquecem de cortá-los ou nem se importam muito com isso. Um filho de Ògún pode ser vaidoso, especialmente se essa for uma característica do seu segundo Òrìsà (o ajunto), mas não se pautará pelos estereótipos físicos mais conservadores da sociedade em que vive: pode fazer a barba para um acontecimento importante, mas é comum que esqueça de fazê-la no cotidiano.
A vida sexual dessas pessoas, acompanhando os mitos relativos ao Òrìsà da guerra, tende a ser muito variada, sem grandes ligações prolongadas se bem que intensas enquanto duram típicas do viajante que nunca se fixa em lugar algum nem a qualquer pessoa. Por outro lado, sua energia sexual, é muito grande, fazendo com que percam muito tempo nas conquistas e na busca de companheiros. Todas essas características podem levar a certa repetição de um estado que o filho de Ògún odeia: a solidão. Com sua rapidez em aproximar-se e afastar-se das pessoas, a vida cheia de viagens que seu temperamento o leva a ter e a infidelidade no amor, ele pode ressentir-se de relações superficiais demais, sempre fugazes. Por outro lado, quando atingido pela solidão, não lhe é difícil sair e procurar por pessoas novas, de quem estará amigo num piscar de olhos. Este é, portanto um arquétipo psicológico facilmente encontrado na literatura e no cinema: é o herói por excelência, desprendido, corajoso e empreendedor, seco e implacável com os inimigos, calado e inacessível em momentos de luta e seriedade amigo e camarada em outros, quando com os amigos pode ser encontrado na maioria dos filmes do antigo oeste norte-americano, onde o herói é um homem de passado ignorado que chega a uma cidade, liberta-a dos malfeitores, provoca o desejo e o amor das mulheres, relaciona-se sexualmente com elas e, no final, parte, retoma seu caminho sozinho em busca de mais um combate sem vínculos. Os heróis das estórias de espionagem são outros exemplos. Em síntese, Ògún é um tipo quente, apaixonado, alegre, conquistador, de sexualidade intensa, mas pouco chegado à idéia de constituir um lar só seu, um dos arquétipos mais comuns associados ao comportamento masculino e presente no inconsciente coletivo. As mulheres cujo Òrìsà de cabeça e Ògún podem, às vezes, ser confundidas com as filhas de Iansã (Oyà) pelo apego à guerra, pela sexualidade intensa, pela freqüente troca de parceiro, etc...
Mas diferem das filhas de Iansá (Oyà) por não terem no comportamento uma sensualidade marcadamente associada ao que é mais tradicional no arquétipo feminino. Quando se apaixonam, gostam de ser felizes e de estabelecer relações satisfatórias e prazerosas com o parceiro, porém não têm a mesma dependência possessiva e ciumenta das filhas de Iansã (Oyà). Ao mesmo tempo, são igualmente temperamentais, capazes de qualquer loucura, quando contrariadas; entretanto enquanto as filhas de Iansã (Oyà) na sua busca de vingança são capazes de qualquer atitude moralmente condenável e até mesmo traiçoeira, uma filha de Ògún deixará claro que está em guerra contra um inimigo enfrentando-o sem subterfúgios nem disfarces e lealmente. Também quando os amores terminam as reações é diferente, sendo mais típico de Ògún manter uma amizade ou qualquer tipo de relação afetiva com a antiga figura amada ao contrário da tendência ao rancor que uma filha de Iansá (Oyà) tende a cultivar numa situação semelhante.

O QUE DIZ A LENDA
Após instalar seu filho no trono de Ire, que havia conquistado militarmente, Ògún foi guerrear durante muitos anos. Quando voltou a Ire, após longa ausência, não reconheceu mais o lugar. Por infelicidade, no dia de sua chegada, celebra-se uma cerimônia na qual todo mundo devia guardar silêncio completo. Mas Ògún tinha fome e sede. Viu as jarras normalmente utilizadas para servir vinho de palma, queria ser servido, mas elas estavam vazias, já tinham sido usadas no ritual específico e ninguém lhe respondia, por proibição religiosa. O silêncio geral pareceu-lhe sinal de desprezo. Ògún, cuja paciência ‘curta, encolerizou-se. Quebrou as jarras com golpes de espada e depois cortou a cabeça das pessoas. Tendo terminado a cerimônia, surgiu o filho de Ògún, recebendo-o condignamente, oferecendo-lhe comida e bebida. O engano foi esclarecido, Ògún viu a extensão da loucura que cometera, simplesmente por não ter tido a memória de saber que o dia era de silêncio ritual, por ter temperamento explosivo e vingativo. Arrependeu-se amargamente da matança e, decidido a nunca mais permitir que isso se repetisse, cravou a espada forjada por ele mesmo no chão, que se abriu para sua passagem e afundou. Nunca mais foi visto. É a partir da forte explosão emocional de seu arrependimento pela injustiça e pela violência desnecessária que Ògún deu cabo se sua vida, tornando-se um Òrìsà.