Òrìsà Òsónyìn

 

 

A pessoa cujo Òrìsà de cabeça seja Òsónyìn é considerada pelo culto um filho do Òrìsà, ou seja, alguém que carrega manifestações de temperamento e uma visão de mundo coerente com as de energia-base, que é o próprio Òrìsà.
A partir das lendas e das interpretações metafóricas das reações humanas perante alguns acontecimentos chaves presentes em quase todas as culturas e destinos individuais, podemos depreender quais são as características de comportamento que são atribuídas a cada tipo psicológico.
Segundo o pesquisador francês Pierre Verger, um apaixonado pelo candomblé, que é inclusive um iniciado que cumpre seus preceitos regularmente, o arquétipo psicológico associado à Òsónyìn é o das pessoas de caráter equilibrado, capazes de controlar seus sentimentos e emoções.
Os filhos de Òsónyìn são aqueles que não permitem que suas simpatias e antipatias subjetivas e individuais intervenham em suas decisões ou influenciem as suas opiniões sobre pessoas e acontecimentos.
Essa capacidade de discernimento frio e racional, porém difere da predisposição semelhante que existe no arquétipo de Sòngó. Se existe um Òrìsà que cumpre as funções de juiz do astral freqüentemente decidindo entre o certo e o errado, este é Sòngó. Não que falte a Òsónyìn seu poder de discernimento falta-lhe o interesse. O tipo é mais reservado, pouco intervindo em questões que não lhe digam respeito. Não é introvertido, mas não se faz notar pela atividade social.
Certa Aura de mistério ou pelo menos uma reserva sobre o próprio passado podem estar presentes, mesmo quando este passado não tem nada mais a esconder do que uma vida comum.
Por essa característica, o tipo Òsónyìn tem algo em comum com a figura mitológica do médico bêbedo dos faroestes. Não pela bebida, que não fascina especialmente os filhos de Òsónyìn, mas pelo fato desse tipo de personagem raramente estabelecer um vinculo mais profundo com os personagens da localidade, nela chegando e se fixando sem chamar muita atenção e evitando que alguém conheça mais detalhes sobre sua vida pregressa, a qual geralmente esconde alguma falta importante do passado provavelmente já esquecida. Inevitalmente, nessas histórias o médico acaba superando seus problemas e desempenhando importante função dramática, ajudando os heróis a vencer. Mas raramente é o herói isso porque todas as culturas reconhecem que esse arquétipo não é o dos grandes guerreiros e lutadores, dos que conduzem um processo social. Pelo contrário Òsónyìn pode até ser alienado politicamente, pois preza muito seu individualismo, a ponto de não querer saber muito do que acontece fora de seu território.
O filho de Òsónyìn tem certa atração pela religiosidade e pelos aspectos ritualísticos da realidade em geral. A ordem, os costumes, as tradições e os gestos marcados e repetitivos o fascinam, não no sentido especificamente reacionário das pessoas que querem a repetição das mesmas e imutáveis relações sócias determinam, mas no que elas têm de místico, de teatral. É, conseqüentemente, meticuloso, nunca se deixando levar pela pressa ou pela ansiedade, pois é caprichoso.
Por isso, são profissões adequadas para os filhos de Òsónyìn aquelas que não exigem pressa, em que a qualidade do trabalho é mais importante do que a quantidade. Como os filhos de Òsóòsì, Òrìsà com o qual têm tantas afinidades, os filhos do senhor das folhas não gostam de trabalhar em equipe, a não ser que um fim estético esteja em jogo, por exemplo, um bailarino que sabe ser imprescindível, para o sucesso do espetáculo, mais do que apenas seu talento ou dedicação, mas também o de todos os componentes já que ele não consegue fazer tudo sozinho.
Em termos físicos, os filhos de Òsónyìn têm um porte altamente digno, mesmo que não necessariamente volumoso. Não costumam aparentar grande força física, mas é atribuída a eles uma espécie de energia reservada, guardada em forma de força potencial, que se manifesta na resistência passiva, tal como a pregada por Gandhi. No dia a dia podem ser pessoas que dificilmente desistem dos objetivos buscando, mas não costumam ter pressa para atingi-los, preferindo executar o que acreditam ser sua parte, deixando o restante a cargo do fluxo natural das coisas.
Uma particularidade física bastante comum são os cabelos lisos e compridos que seus filhos usam.
Alguns Bàbálòrísàs afirmam inclusive que não é bom para um filho ou uma filha de Òsónyìn usar os cabelos muito curtos. Uns justificam o preceito como meramente estético, já que seria a tendência dos filhos desse Òrìsà ficarem menos bonitos com os cabelos curtos. Já outros ressaltam que os cabelos são fontes de captação e armazenamento de energia, o que não se tem condição de afirmar com certeza se corresponde de fato a uma crença africana ou se é apenas a transposição indireta do mito bíblico de Sansão.
Aqueles que mantêm relacionamentos amorosos com os filhos de Òsónyìn têm de acostumar-se com o silêncio e a reserva do parceiro. Eles não costumam abrir-se a qualquer momento, podendo guardar exclusivamente para si mesmos pensamentos importantes, acontecimentos decisivos para suas vidas, dúvidas e questionamentos que preferirão penosamente a dividir com que amam. São capazes de amar, mas não o tempo todo. O silêncio, porém, não pode ser entendido como sinônimo de falta carinho é apenas seu gosto pela ausência de sons, pois, quando há algum problema, ele dificilmente esconde seu ponto de vista.

 


O QUE DIZ A LENDA
A lenda de como Òsónyìn perdeu e não perdeu o poder sobre as folhas, resumida analiticamente no decorrer do texto, pode der lida em forma mais detalhada e poética no livro Lendas Africanas dos Orixás, de Pierre Verger, onde encontramos outra lenda bastante difundida entre os filhos do Òrìsà. Òlórùn, o deus supremo, entidade que historicamente teria criado o universo e nele nunca mais se manifestado na narrativa seria um rei que precisava de um criado. Indo ao mercado de escravos, escolhe um justamente Òsónyìn. Manda-o então, trabalhar nos campos, desmatando-o para preparar as novas plantações. Mas Òsónyìn não cumpre suas ordens, dizendo ser tal tarefa para ele impossível, porque todas as folhas e ervas têm virtudes. Cada uma delas servia para alguma coisa: acalmar a dor de dente, proteger contra feitiçarias curar a febre etc... Portanto nenhuma delas devia ser arrancada de seu pé, pois então estaria inutilizada. Reconhecendo então capacidades inusitadas no escravo, Òlórùn faz com que Òsónyìn fique a seu lado durante as sessões de adivinhação, tornando-se um consultor na escolha dos remédios a indicar para as pessoas que o procuravam. Uma rivalidade, porém surge. Òsónyìn não gosta do lugar subalterno de escravos que continua ocupando, ainda mais por lugar que é mais útil que o outro para as necessidades práticas dos homens. Òsónyìn em sua obsessão chegou a declarar que viera ao mundo antes de Òlórùn ou Òrúnmílà, tendo portanto mais poderes. O rei Ajalayé, cansado dessa competição, resolve estabelecer uma verdadeira prova entre os dois: ambos devem apresentar-se a ele com seus primogênitos. E tal acontece. Òrúnmílà chega acompanhado pelo filho Sacrifício e Òsónyìn pelo filho Remédio. Segundo a prova criada pelo rei, os dois primogênitos serão enterrados durante sete dias. Aquele que sobreviver à prova e responder primeiro, com voz alta e clara, ao chamado que será feito no final dos sete dias, verá seu pai ser declarado vencedor. Duas covas foram abertas. Sacrifício e Remédio foram colocados dentro e as covas foram fechadas. Òrúnmílà, voltando para casa, consultou Ifá: Meu filho estará ainda vivo, passados os sete dias, Ifá aconselhou-o a oferecer muito ekuru um prato saboroso, bolo de feijão, pimenta, um galo, um bode, um pombo, um coelho e dezesseis búzios da costa. Òrúnmílà preparou a oferenda. Ela foi colocada em quatro lugares: na estrada, numa encruzilhada, diante de Èsù e no mercado. Èsù exerceu seu poder sobre o coelho sacrificado. Este ressuscitou e cavou um buraco que foi terminar na cova de sacrifício, o filho de Òrúnmílà. Assim, o coelho levou alimento para ele. Remédio, o filho de Òsónyìn, nada tinha para comer. Mas ele possuía alguns talismãs, que agiam sobre a terra e lhe permitiram, assim, encontrar Sacrifício no fundo da sua cova. Remédio pede-lhe comida.Sacrifício responde: Ah, como posso eu, filho de Òrúnmílà, dar-lhe comida, quando há uma disputa em jogo? Tu não vês que assim causarás o sucesso de Òsónyìn, estando vivo para responder ao chamado que será feito no fim dos sete dias?
Remédio insiste e promete a Sacrifício permanecer calado quando for feito o apelo.Sacrifício então dá de comer a Remédio. E chegou o final da prova. Os juizes chamam o filho de 0ssaie: Remédio! Eles chamam em vão. Remédio deve estar morto: Bem! Remédio deve estar morto, concluem eles. Chamam, em seguida, o filho de Òrúnmílà: Sacrifício! Imediatamente, escutam um forte sim. Sacrifício está são e salvo! Remédio sai, em seguida, igualmente, vivo. Òsónyìn pergunta ao filho a razão do seu silêncio quando foi chamado o seu nome. Remédio narra o pacto feito com Sacrifício. Comida pelo silêncio! Esse pacto tornou-se provérbio: Sacrifício não deixa Remédio falar, significando que Sacrifício é mais eficaz que Remédio. Razão pela qual Òrúnmílà á tem uma posição mais elevada que Òsónyìn.