Òrìsà Òsúmáré / Bèssén

 

Como é comum a todas as divindades originárias do Daomé (cultura Jeje) é relativamente difícil estabelecer um arquétipo específico de comportamento associado ao Òrisàs, já que ele é misterioso e cheio de sombras em seus mitos.
Os filhos de Òsùmàrè são bem mais difíceis de serem reconhecidos do que os guerreiros filhos de Yansà os calmos e sábios filhos de Òsálà, e os maternais e familiares de Yemòjà, por exemplo.
Mesmo assim, algumas características básicas podem ser listadas. Há, porém, divergências em relação às suas características ao consultarmos autores diferentes. Para a renomada pesquisa por (Pierre Verger), por exemplo, Òsùmàrè pode ser associado à riqueza: Òsùmàrè é o arquétipo das pessoas que desejam ser rica; das pessoas pacientes e perseverantes nos seus empreendimentos e que não medem sacrifícios para atingir seus objetivos.
Apesar de todo o respeito que temos pela obra de Verger e pelo seu pioneirismo ao tentar definir os arquétipos básicos de comportamento compatível com cada divindade africana sendo sua obra Òrisàs a esse respeito um estudo fascinante e muito bem realizado neste caso específico detectou grandes diferenças entre o que dizem alguns pais de santo e as concepções de Verger.
Essas divergências diminuem bastante quando comparadas com definições de Monique Augras. Segundo sua visão a respeito dos filhos de Òsùmàrè, eles costumam possuir o dom da vidência. Quando vivia na Terra, Òsùmàrè previa tudo, adivinhava o que ia acontecer, a tal ponto que não era mais possível viver. Os deuses então decidiram mantê-los afasta dos homens, pois a clarividência total acaba transformando-se em maldição. A seu pedido, Òsùmàrè obteve a autorização de descer na terra de três em três anos, o que talvez explique parte do mistério referente ao culto deste Òrìsà e também sua rara participação nos jogos de búzios, onde os Òrìsàs em geral se revezam nas respostas mas é raro se encontrar uma resposta de Òsùmàrè.
Verger acrescenta que Òsùmàrè está associado ao mistério, a tudo que implica o conceito de determinação além dos poderes dos homens, do destino, enfim: É o senhor de tudo o que é alongado. O cordão umbilical, que está sob seu controlo, é enterrada geralmente com a placenta sob uma palmeira que se torna propriedade do recém-nascido, cuja saúde dependerá da boa conservação dessa árvore. Quanto a este fato, Augras associa essa simbologia ao fato de Òsùmàrè representar também o símbolo do crescimento individual: o ser humano está sempre tendo suas células a não ser do sistema nervosas sendo respostas, substituídas por células mais novas, ou seja, possuem o princípio da morte e do renascimento no próprio corpo.
Assim, ao arquétipo do comportamento associado à figura deste Òrìsà complexo está a tendência à renovação, a compulsividade à mudança. Seus filhos estão entre aquelas pessoas que, de tempos em tempos, mudam tudo em sua vida: mudam de casa, de amigos, de emprego, como se ciclos se sucedessem sempre, obrigatoriamente, exigindo e provocando um rompimento com o passado iniciando diuturnamente a busca de um novo equilíbrio que deverá persistir até um novo momento de ruptura, desintegração e substituição. Mutabilidade reinicia, é seu princípio básico, aproximando-o dos mitos ocidentais referentes ao planeta Plutão o astro da morte, da destruição, da revolução como forma de renascimento e ressurreição. Também são apontados nos filhos de Òsùmàrè certos traços de orgulho e de ostentação, algo que os aproxima do clichê do novo rico exibicionista; ao mesmo tempo, diversos Bàbálórìsàs, Òrìsàs os apontam como figuras generosas e desprendidas quando surge um grave problema para alguém de sua amizade, e que precisa efetivamente de sua ajuda.
A androginia do Òrìsà por vezes é estendida os seus filhos. Estes segundo algumas correntes seriam bissexuais em potencial, mas essa interpretação não é aceita universalmente, tendo alguns sacerdotes especificados que não há ligação que não há possível entre papel, preferência sexual e Òrìsà. Fisicamente, os filhos de Òsùmàrè tendem a se movimentar de forma extremamente leve pouco levantando os pés do chão, às vezes sugerindo mesmo a idéia que rastejam que lhes é praticamente impossível levantar os pés, preferindo deslizá-los para frente. Ao mesmo tempo, se essa característica pode aparentar alguma indolência ou preguiça, uma grande tensão nervosa os domina, fazendo-os necessitar sempre de movimento, agilidade, indo de um lado para o outro dentro de uma sala sem finalidade alguma, apenas por não conseguirem ficar parados. Tem em comum com a cobra a facilidade em ser silencioso, armarem seus botes na vida sem eu as pessoas em torno se apercebam disso e só atacando seus inimigos quando têm plena certeza da vitória, que a vitima está encurralada num território que não é o seu. É difícil manter relacionamentos duradouros com tais pessoas, já que freqüentemente mudam tudo como se tivessem feito uma limpeza no sótão de seu consciente e mesmo do inconsciente, cortando relações, mudando de valores, deixando amores que se esmaeceram e quando o momento da troca é chegado, nada pode impedir um filho de Òsùmàrè fazer essa espécie de devassa em sua própria vida. Por isso mesmo, podem ser um pouco fechado e quase que obrigatoriamente solitários. Além da tendência a ser esguia é o olhar, já que têm olhos de cobra, grandes e um pouco saltados.


O QUE DIZ A LENDA
Nàná Burúkú fazia questão absoluta de ter um filho com Òsààlà. O primeiro (Obàlúwàyiè) não a agradou e a mãe livrou-se dele. O deus do destino declarou que ela teria, em seguida, um filho belíssimo, tão bonito quanto o arco-íris, mas que jamais ficaria junto dela (a terra) e viveria percorrendo o mundo sem parar.
Òsùmàrè durante seis meses era uma linda moça (Béssèn), outros seis viravam monstro a cobra Béssèn ficou com raiva da mãe porque, quando namorava, ia tudo bem até a hora em que se transformava em cobra. O namorado então morria de medo ou fugia correndo, o que seria o motivo de uma quizila entre Òsùmàrè, o filho, e Nànà, a mãe. Para a maioria das lendas, porém, a figura de Òsùmàrè, no passado, era um Bàbáláwò um adivinho que ia ao palácio no que era conhecido como dia do segredo, ou seja, o primeiro do ciclo de quatro dias que formava a semana dos iorubas o que indica que esta lenda foi adaptada pela cultura nagô. Òsùmàrè era pobre, pois o rei Oni nunca se mostrou particularmente generoso.
Mas Òsùmàrè queria ter mais riquezas o que talvez contribua para a visão de Verger bastante particularizada sobre a ambição latente nos filhos de Òsùmàrè. Não sabia, porém, como ampliar seus rendimentos.
Ifá, então apresentou uma resposta: tudo faria por ele se Òsùmàrè lhe fizesse uma oferenda. E ele a fez, composta por uma faca de bronze, quatro sacos de búzios e quatro pombos.Mas o rei clamava por Òsùmàrè exatamente neste momento, exigia sua presença no palácio. Não podendo largar a cerimônia no meio, Òsùmàrè mandou dizer que algo a seguir iria. Magoado em sua autoridade, o rei, acostumado a ser prontamente obedecido, não contentou com o gesto de Òsùmàrè e se negou até a fazer seus pagamentos habituais, jogando-o na miséria.
Mas Òlókùn, a rainha de um reino vizinho, precisava dos trabalhos de Òsùmàrè, pois tinha um filho penosamente doente. Òsùmàrè, novamente servindo de ponte entre os humanos e a divindade Ifá, descobriu tudo que era necessário fazer, praticou os ritos necessários e curou o garoto. A gratidão de Òlókùn foi imensa, era seu filho favorito que estava curado. Cumulou Òsùmàrè de servos, presentes, roupas caras, tudo, enfim, que simbolizava riqueza, especialmente para alguém que antes era tão pobre.
O rei Oni ficou surpreso e invejoso. Entrou a seguir em competição com Òlókùn, cumulou Òsumáré de presentes ainda mais régios. Ifá realmente cumpriu o prometido: fez de Òsùmàrè um homem muito rico e respeitado.